Há 8 anos, precisamente no dia 24 de abril de 2013, cerca de 5 mil trabalhadores chegaram para trabalhar em diversas fábricas de roupas instaladas no edifício Rana Plaza, em Daca, capital do Bangladesh. Em sua maioria, jovens mulheres. As fábricas produziam para aproximadamente 30 marcas internacionais de moda high street, dentre elas Zara, Mango, Benetton e H&M. O prédio, que abrigava também várias lojas e um banco, violava as mais básicas regras de construção e não atendia a nenhuma das exigências da segurança no trabalho.
Na véspera, uma grande explosão devida a falhas de eletricidade causara diversas rachas em todo o edifício. O prédio foi evacuado e, após inspeção, engenheiros recomendaram que permanecesse fechado. No dia 24, portanto, as lojas e o banco não reabriram.
Mas as fábricas, e até mesmo as creches a elas associadas, continuaram a funcionar normalmente. Apesar de lamentos e protestos dos trabalhadores, os empregadores simplesmente ameaçaram-nos com despedimentos e o não pagamento de ordenados caso não comparecessem, uma forma de coação extremamente comum naquele país – como em outros onde a indústria fashion fez questão de instalar-se.
Às 9 horas da manhã, com as fábricas a trabalhar a plena capacidade, o edifício desabou, deixando 1.134 mortos e cerca de 2.500 feridos. O colapso foi praticamente instantâneo, mas foram necessárias 3 longas semanas para a remoção de todos os corpos dos escombros. Ainda hoje, esse é considerado o quarto maior desastre industrial da história.
Em resposta a essa tragédia e tudo o que ela representa foi fundada a Fashion Revolution, uma associação sem fins lucrativos que rapidamente se tornou no maior movimento ativista do mundo, mobilizando cidadãos, empresários e políticos por meio de pesquisa, educação e atividades jurídicas
Anualmente, em memória de todas as vidas perdidas naquele desastre, realiza-se a Fashion Revolution Week, uma série de eventos pelo mundo todo que reúne milhares de pessoas para criar uma indústria da moda melhor.
O movimento defende a valorização das pessoas acima dos lucros; o fim da exploração humana e ambiental na indústria da moda; condições de trabalho, segurança e salários dignos para todas as pessoas na cadeia de abastecimento; uma cultura de transparência e responsabilidade; valorização das heranças locais e do artesanato; o fim da cultura de descarte e a mudança para um sistema circular; a conservação de recursos naturais e a regeneração dos ecossistemas.
Orientado para a ação e focado em soluções, o movimento não pretende incutir ou manipular o sentimento de culpa nas pessoas, mas sim levá-las a reconhecer que têm nas suas próprias mãos o poder de promover mudanças positivas, incentivando-as a colaborar na criação de um futuro mais ético, sustentável e transparente para a moda. Tampouco encorajam boicotes de marcas, pois entendem que esse tipo de ação mais prejudica do que ajuda os trabalhadores, já que em muitos dos países onde se estabelece, a indústria têxtil e de vestuário é um dos poucos caminhos para a independência financeira.
O que o movimento pretende é uma mudança cultural, aumentando a consciência sobre os desafios sistémicos da indústria fashion, mobilizando as pessoas para uma ação coletiva, mostrando-lhes os impactos das suas roupas, inspirando-as a consumir menos, valorizar a qualidade e cuidar melhor das roupas, e criando ferramentas para que possam usar a sua voz e fazer diferença na sua vida e na vida de milhões de pessoas. Na outra ponta, também se dirige à indústria, realizando pesquisas que comprovem os impactos sociais e ambientais da moda, incentivando a transparência e a responsabilidade em toda a cadeia de abastecimento e pressionando por mudanças. E, numa vertente política, atua junto aos governos para influenciar a criação e melhor aplicação de leis para regular a indústria.
Se conseguirmos pôr de parte as ações de puro marketing (a.k.a. greenwashing), é bem verdade que a indústria da moda sofreu algumas mudanças positivas nos últimos anos. Mas as violações dos direitos humanos e a degradação ambiental continuam prevalecendo fortemente. E, embora grande parte do público tenha se tornado mais consciente desses problemas, muitas pessoas ainda ignoram o facto de que as suas roupas podem estar a contribuir para a crise climática e a exploração humana.
É difícil acreditar, mas pessoas ainda morrem frequentemente em incêndios e acidentes em fábricas. Mulheres ainda sofrem assédio, violência sexual e são mortas por seus superiores. A maioria dos trabalhadores ainda recebe ordenados abaixo do mínimo legal e luta para sobreviver e pagar as necessidades mais básicas da vida. Pessoas ainda são escravizadas e crianças ainda são alheadas de educação básica para trabalhar e ajudar as suas famílias em condições absolutamente impróprias. Os sindicatos e associações de trabalhadores ainda se veem impedidos por empregadores e governos de lutar por direitos. A indústria da moda ainda é a segunda maior poluidora do planeta, da atmosfera, das fontes de água. Os animais ainda são maltratados para a produção de roupas. E os aterros sanitários ainda são entupidos de roupas desnecessariamente descartadas. Todos esses problemas sublinham a necessidade de repensarmos urgente e drasticamente o funcionamento do sistema e a nossa responsabilidade enquanto consumidores.
A tragédia do Rana Plaza podia ter sido evitada. 1.134 vidas foram perdidas apenas para que pudéssemos vestir as roupas “da moda” – e a verdade dolorosa é que alguns de nós podemos estar a vestir agora mesmo as roupas que aquelas pessoas produziram.
Oito anos depois, muitas outras tragédias sociais e ambientais podem ainda ser evitadas. E é por isso mesmo que precisamos de uma fashion revolution. Então, vamos juntos plantar essa semente! 🌱