Não é de ontem que as roupas se tornaram uma necessidade humana. A evidência mais antiga de uma roupa confecionada em fibra vegetal foi encontrada numa caverna em Israel e data de 6.500 a.C., mas estima-se que o desenvolvimento das primeiras roupas modernas se tenha iniciado muito antes, há 50 mil anos, e que o uso de fibras têxteis a partir de fiação tenha começado cerca de 20 a 30 mil anos atrás
Desde sempre as roupas protegem o nosso corpo dos agentes externos, como o calor e o frio extremos, e rapidamente ganharam também uma função social, tornando-se numa ferramenta para a construção da identidade, inclusive com a componente simbólica política, social e religiosa que ratifica os nossos valores e crenças perante os nossos grupos sociais. O vestuário é, na verdade, parte intrínseca da humanidade.
Hoje, o setor têxtil e de vestuário também tem grande relevância económica. Em Portugal, destaca-se tanto no tecido empresarial local como no comércio externo – exportamos 70% de tudo aquilo o que produzimos, somando o expressivo montante de 4,5 mil milhões de euros por ano. E, é claro, caracteriza uma das mais antigas e tradicionais indústrias portuguesas, mantendo-se como um dos mais importantes setores empresariais do país.
Já sabemos, porém, que a moda (englobando os setores têxtil e de vestuário) é a segunda indústria mais poluente do planeta. Isso se deve não só à demanda hídrica e energética, às emissões decorrentes do transporte e à superprodução, mas também à própria natureza das fibras têxteis empregadas. Independentemente do tipo de fibra, sempre haverá algum impacto no solo, na água e na atmosfera.
Portanto, é fundamental conhecermos os impactos de cada tipo de fibra para que possamos fazer escolhas mais conscientes e responsáveis na hora de comprar as nossas roupas.
Como é óbvio, cada tipo de matéria-prima passa por processos diferentes até a obtenção da respetiva fibra. E, após a confeção do tecido em si, ainda são necessários diversos outros processos, como a lavagem e o tingimento.
Os tecidos podem ter também origens muito diversas, como o couro, a fibra de abacaxi, o linho etc. Mas as mais utilizadas são as fibras naturais (como algodão e lã), as fibras artificiais (como a viscose, viscose de bambu e o liocel/tencel) e as fibras sintéticas (como o nylon e o poliéster).
Daqueles mais utilizados, eis o que precisa saber:
Algodão
A fibra mais utilizada na fabricação de vestuário, está presente em 35% de todas as roupas produzidas. Depois de colhido, o algodão passa por processos de remoção das sementes, folhas e outros materiais indesejados para ser então fiado e levado ao tear.
Apesar de representar pouco mais de 2% de toda a área destinada à agricultura, a produção convencional de algodão é responsável por cerca de 24% de todo o consumo de inseticidas e 11% dos pesticidas, causadores de graves problemas de saúde aos agricultores.
Em comparação aos tecidos sintéticos, o algodão consome maior quantidade de energia, tanto pelo combustível utilizado nas máquinas agrícolas como pela energia elétrica das máquinas de fiação e dos processos de lavagem, secagem e passagem a ferro.
Aproximadamente 20 mil litros de água são necessários para a irrigação do equivalente a apenas um quilo de fibra produzida.
Apesar de ser de origem renovável, a degradação do solo e dos lençóis freáticos pela agricultura convencional compromete muito a sua renovação.
E, embora as fibras sejam recicláveis, as suas características tornam o processo mais difícil, e os resíduos são basicamente reaproveitados para fazer fios grossos e barbantes.
Lã
Proteção natural das ovelhas, é retirada na tosquia, seja elétrica ou manual.
Após a retirada, o velo passa por um processo de remoção de resíduos como sebo, terra, folhas etc. Nesse processo, a lã é lavada e recebe alguns processos químicos para amaciar os pelos e facilitar a penteação. Depois é torcida e esticada, dando origem ao fio, que mais tarde receberá o tingimento.
Devido ao uso de inseticidas sintéticos, a produção da lã causa problemas de saúde aos produtores e contamina o solo, a água e a fauna.
A produção da lã emite significativa quantidade de gás metano (pelas próprias ovelhas), detergentes e graxa.
Cerca e 150 litros de água são gastos para a produção de cada quilo de lã.
O consumo de energia também é mais alto do que na produção das fibras sintéticas, notadamente pelo maior tempo de secagem, pela necessidade de passagem a ferro e pelas perdas no processo da produção.
Viscose
É produzida a partir da polpa da madeira das árvores ou então do línter, que é a fibra que envolve o caroço do algodão. O processo gera uma pasta celulósica que é depois misturada a outras fibras e extrusada para dar origem à fibra de viscose.
O contato necessário com a soda cáustica e o ácido sulfúrico gera riscos à saúde dos produtores pelos seus efeitos tóxicos.
Requer um alto consumo de energia devido à alta absorção de água, à necessidade de passagem a ferro e à baixa durabilidade.
Para cada quilo de viscose são utilizados 650 litros de água.
Apesar de ser biodegradável, o tecido de viscose tem baixa durabilidade e a reciclagem é difícil, porque as fibras são pequenas demais.
Viscose de bambu
Feita a partir da celulose do bambu, apresenta as mesmas desvantagens da viscose comum: problemas de saúde causados pelo manuseio de agentes tóxicos e emissões de gases.
Pelo lado positivo, o bambu cresce sem a necessidade de pesticidas ou fertilizantes, depende menos do uso de máquinas para o plantio, e o solo é facilmente recuperado, evitando-se a erosão.
Em contrapartida, a viscose de bambu tem baixa durabilidade e requer altas quantidades de energia e de água – os mesmos 650 litros por quilo.
Liocel/tencel
Fibra obtida a partir de celulose de origem vegetal. O solvente empregado no processo é biodegradável e ecologicamente viável por ser atóxico e 99% reutilizável.
A celulose é coagulada e a fibra é então lavada, seca e posteriormente cortada. A solução química proveniente da lavagem é purificada por evaporação para eliminar a água e, então, reciclada para o processo.
O consumo de energia nessa produção é alto, e o material possui baixa durabilidade.
Tendo o línter de algodão como matéria-prima, o liocel acaba por trazer consigo os impactos do cultivo do algodão e demanda 650 litros de água para cada quilo produzido.
Apesar de ter origem em fonte renovável, a reciclagem é dificultada em razão do comprimento das fibras.
Poliamida/nylon
A poliamida é um termoplástico feito a partir do petróleo. Normalmente é encontrado em carpetes, calçados, relógios, airbags etc.
O subproduto dessa produção contém ácido clorídrico e óxido nitroso, um gás que atua no efeito estufa.
O material tem uma contribuição positiva ao ser empregado na indústria automobilística, já que, por ser leve, permite a diminuição no peso do veículo, e, consequentemente, a economia de combustível. Mas, por ser um tecido sintético, pode causar alergias.
O consumo de energia para a produção é alto em comparação com as fibras naturais, mas compensa-se pelo menor desperdício na cadeia, pela durabilidade e pela facilidade de manutenção, com lavagem fácil, secagem rápida e sem necessidade de passagem a ferro.
Os resíduos da fiação são reutilizados na produção de plástico. Mas, apesar de ser durável e reciclável, são necessários cerca de 700 litros de água para a produção de apenas um quilo do material.
Poliéster
Nada mais é do que o polietileno tereftalato, mais conhecido como PET. Está presente nos mais diversos objetos do dia a dia, como nas roupas, garrafas de plástico, guitarras, tintas, estofados, cintos de segurança, enchimento de almofadas, edredons, vernizes etc.
É obtido a partir do petróleo ou do gás natural, ambas matérias-primas não renováveis, o que acaba por ser a sua maior desvantagem.
Na sua produção são emitidos compostos orgânicos voláteis e efluentes contendo antimónio, substâncias lesivas à saúde.
A vantagem do PET em relação às fibras naturais é que ele garante um produto com maior durabilidade, menos rugas e maior retenção de cor. E, apesar do grande consumo energético para a sua produção, tem maior vida útil, maior facilidade de manutenção, menor desperdício na cadeia e maior leveza.
Por isso, o material é frequentemente misturado às fibras naturais para melhorar a qualidade dos tecidos, unindo-se os benefícios da fibra sintética com a maciez das fibras naturais.
O PET é, por princípio, reciclável. Mas a mistura com as fibras naturais acaba por inviabilizar a reciclagem.
Outro problema grave envolvendo o poliéster é a contaminação da água por microplásticos, que acabam se despegando das suas fibras e vão parar nos oceanos, prejudicando diversos ecossistemas. Pequenos animais se alimentam desse microplástico e, ao longo da cadeia alimentar, acabam por propagar a intoxicação até os seres humanos. Pesquisadores já comprovaram que, numa única lavagem, uma peça de roupa de poliéster pode soltar até 1.900 fibras de microplástico.
Por fim, são necessários apenas 20 litros de água para a produção de cada quilo de poliéster, o que se considera uma quantidade bastante reduzida em relação às demais fibras.
Então, qual tipo de fibra garante um consumo mais sustentável?
Antes de tudo temos de lembrar que a forma mais eficaz de reduzir o nosso impacto ambiental é estender o tempo de vida útil das roupas – e de todas as coisas –, para assim evitar o consumo de novas peças. Por isso é fundamental comprar roupas de qualidade e maior durabilidade, recusando o excesso que a indústria nos impinge por meio de coleções cada vez menos espaçadas.
Com relação ao tipo de fibra, como se viu, cada um tem seus os seus prós e contras.
Se prefere roupas de algodão, priorize as fibras orgânicas, que não apenas prescindem dos herbicidas e pesticidas como gastam menos água e preservam o solo.
Se optar por tecidos de viscose, de preferência à de bambu, uma alternativa mais ecológica em relação às matérias-primas de línter de algodão. Mas lembre-se que os filtros que impedem a liberação de gases poluentes neste tipo de produção ainda são muito caros, razão pela qual a indústria têxtil acaba por deslocar as suas fábricas para países de menor regulamentação.
Se escolher os sintéticos poliamida e poliéster a pensar nas vantagens energéticas e de consumo de água, tenha em mente que são produtos obtidos de fontes não renováveis, emitem compostos orgânicos voláteis e ainda liberam microplásticos nos oceanos.
Se a sua opção forem as roupas de PET reciclado, prefira aqueles a 100%, não misturados a fibras naturais, para que possam voltar à reciclagem ao fim da sua vida útil.
Mas lembre-se sempre: todas e quaisquer fibras sintéticas são a principal fonte de microplásticos marinhos, que contaminam o meio ambiente, a nossa cadeia alimentar e, como diversos estudos já demonstraram, o nosso próprio corpo. A fibra sintética é, de longe, a menos sustentável de todas.
A verdade é que a única forma de reduzirmos o impacto ambiental das nossas roupas é, nessa ordem, abrandar o ritmo de consumo, aumentar-lhes a vida útil, examinar as características e a origem de cada peça, optar pela durabilidade, dispensar embalagens em excesso e abandonar de vez a fast fashion.
E sempre que não for possível reutilizar os seus têxteis, descarte-os de forma adequada, procurando os pontos de coleta mais próximos – mas saiba que nem sequer as doações estão livres de um grande impacto ambiental, social e económico, e vamos falar sobre isso num próximo post.
O importante é consumir com consciência e responsabilidade e, naturalmente, educar os nossos miúdos para fazer o mesmo. Então vamos plantar essa semente! 🌱