Em recente e polémico artigo, a jornalista Elizabeth L. Cline, especialista em sustentabilidade e direitos laborais na indústria fashion, levantou uma importante questão: haverá alguém mais ou menos responsável pela ética no consumo da moda?
A pergunta realmente faz pensar. Para ela, se olharmos o consumo como um ato moral, necessariamente a compra de marcas com más práticas comerciais seria um gesto antiético. E como o consumo é fundamentalmente determinado pela nossa renda, teríamos de concluir que as pessoas mais ricas, que podem pagar por produtos éticos, são de alguma forma mais éticas do que as outras. Mas, sendo em si antiético determinar a “bondade” humana por aquilo que compramos, Elizabeth conclui que não adianta fomentar a compra de moda sustentável por aqueles que podem, mas sim lutar para que se tornem mais sustentáveis aqueles produtos que todos podem pagar.
Um sistema económico assente na circularidade, sustentabilidade ambiental, comércio justo, respeito aos diretos trabalhistas e sociais é mais do que um sonho ou meta de uma parcela da humanidade. É, de facto, uma necessidade premente, quer estejamos conscientes e favoráveis, quer sejamos completamente contrários a esse estilo de vida. Afinal, se não projetarmos um futuro baseado nesses pilares, em pouco tempo não teremos sequer um planeta habitável ou uma sociedade pacífica. E, nesse sentido, Elizabeth Cline passou a pregar que, mais do que um consumo ético, mas passivo, precisamos ser todos realmente ativistas na busca de novas políticas e práticas por parte dos grandes personagens do cenário da moda.
Por muito que não possamos discordar dessa posição, algumas outras verdades precisam ser consideradas.
A primeira delas é que nem toda a gente consegue ou quer dedicar-se a uma causa tão vasta e profunda como mudar os rumos da Economia mundial. Sim, porque quase tudo o que se produz e consome hoje no mundo segue um padrão de economia linear, no qual os bens são projetados para o descarte – por oposição a uma economia circular, baseada na recuperação, reciclagem e reutilização de materiais e energia de forma contínua. Mudanças efetivas nessa área não apenas levarão muitos anos como enfrentarão toda a espécie de resistências, e vão exigir muito debate e esforço de especialistas. Nem todos de nós teremos capacidades, tempo, saúde e recursos para travar essa batalha, menos ainda enquanto trabalhamos sem horas, ganhamos menos do que valemos, cuidamos dos nossos filhos e tentamos ser saudáveis. A bem da verdade, considerada a miríade de interesses e necessidades das nossas vidas, essa certamente não será uma luta de todos.
De outro lado, embora tenhamos pressa – haja vista a ambiciosa Agenda 2030 –, temos de lembrar que todos os pequenos passos para a frente nos levam mais perto do nosso objetivo. Se nem todos estaremos na vanguarda das lutas por mudanças globais, isso não nos pode impedir de marchar com a tropa, no nosso próprio passo. Todas as mudanças contam, das mais pequenas aos maiores sacrifícios. O fundamental é que estejamos sempre dispostos a fazer o que está ao nosso alcance.
É nesse ponto que o consumo ético e responsável passa a ser importante. Se para os mais engajados isso parece pouco, para a maioria de nós é o que é possível fazer como contributo para um planeta sustentável, uma sociedade mais humana e até uma Economia mais saudável.
Quem conhece um bocadinho da realidade por trás das nossas roupas não consegue ficar indiferente aos impactos ambientais dos setores têxtil e de vestuário. São incontáveis os fatores que tornam a moda na 2ª indústria mais poluente do mundo, e também é verdade que muitos deles são ainda incontornáveis – ainda! Não bastasse, é grande o choque quando se tem ciência das mazelas impostas aos trabalhadores do setor. Trabalhos forçados, condições insalubres, salários indignos, violência física, abuso moral, trabalho infantil, tudo isso com as consequentes sequelas físicas, psicológicas e sociais, não são um mito, mas a realidade de dezenas de milhões de pessoas.
O paradoxal nisto é que a moda mais lesiva ao meio ambiente e aos recursos humanos é justamente… a mais acessível. Ou, ao contrário, ela é a mais em conta exatamente porque a sua estratégia de negócios não está baseada na ética, na responsabilidade social e ambiental (esses termos, no máximo, justificam algum greenwashing nas suas coleções). Tudo o que valoriza a preservação ambiental e proporciona melhor qualidade de vida aos recursos humanos implica obviamente custos mais altos e menores margens, desagradando os CEOs do mainstream.
Logo, se nem todos vamos ser propriamente ativistas, também é facto que nem todos poderemos consumir os produtos mais éticos e sustentáveis. Todos podemos ser conscientes e minimizar os danos do consumo, é claro! Mas, dados os custos, muita gente consciente e preocupada estará entregue à competitividade da fast fashion unicamente por razões financeiras.
E em que é que isso nos deixa? Afinal, se o consumo é fundamentalmente determinado pela nossa renda, não teríamos de concluir que as pessoas mais ricas devem ser voluntariamente mais éticas? Que, não estando obrigadas a consumir em função do preço, têm nas mãos o efetivo poder de decisão sobre aquilo que vão comprar, e que justamente por isso se espera delas uma atitude volitiva?
Em entrevista para a plataforma Eco Warrior Princess, o co-fundador da startup Solios Alexander Desabrais afirmou: “Se você é um consumidor ativo, significa que é uma pessoa privilegiada. Você tem dinheiro e recursos suficientes para preencher os níveis essenciais da pirâmide de Maslow. Esse privilégio vem com responsabilidade social. Isso significa dar o seu melhor para aprimorar o seu impacto ambiental e social.” É uma forma contemporânea de dizer que “com grande poder vem grande responsabilidade”.
Mas então voltamos à questão inicial: haverá alguém mais responsável pela ética no consumo da moda? Não obstante as opiniões divergentes… pensamos que sim.
E esperamos muito que seja você! 😎